Nos últimos anos, um tema invadiu a agenda de professores, orientadores, diretores, secretários e ministros da Educação: renovar a escola, o que para muitos significa reinventá-la. Reforma passou a ser a palavra de ordem, principalmente na América Latina e na Europa. Os debates, além de deixar claro que a mudança é mesmo necessária, serviram para jogar luz sobre pesquisadores que vêm se dedicando a buscar caminhos para adaptar a realidade escolar aos novos tempos. No Brasil, seis nomes ganharam especial destaque: o francês EDGAR MORIN, o suíço PHILIPPE PERRENOUD, os espanhóis CÉSAR COLL e FERNANDI HERNÁNDEZ, o português ANTÓNIO NÓVOA e o colombiano BERNARDO TORO. O que eles tem em comum é reprocessar idéias já largamente difundidas (e aceitas) e apresentá-las numa linguagem fácil, objetiva e coerente com as necessidades atuais.
Jean PIAGET
Pesquisar como alguém incorpora um novo conhecimento, como o constrói foi o pontapé inicial de sua “teoria”. Postula que ao se deparar com algo novo, o indivíduo tenta remetê-lo a qualquer coisa com que já tenha tido contato, que já conheça. Imaginemos que nossa cabeça fosse um gavetão de arquivos, com várias pastas suspensas (que antigo, isto nem é mais usado!) onde categorizamos tudo aquilo que sabemos. Assim que temos contato com algo novo, é como se abríssemos este gavetão para procurarmos algo similar, parecido, nas pastas suspensas (categorias) que já possuímos, mas não encontramos nada similar. A esta primeira estranheza do novo, Piaget nomeou assimilação, isto é, reconhecer alguma coisa como diferente do que eu já conheço. A partir deste reconhecimento, do contato com a novidade, da experimentação, o indivíduo refina seus conhecimentos e incorpora uma nova informação, o que proporciona a criação de um novo conceito, nova categoria, o surgimento de uma nova pasta suspensa em nosso gavetão (ou a criação de uma subpasta). A esta nova partição criada, organizada, sistematizada Piaget chama de esquema. Incorporado novo esquema mental, assume-se a acomodação, que define um conhecimento aprendido, incorporado, introjetado.
A função do professor nesta perspectiva é “desequilibrar os esquemas mentais do aluno”, oferecer desafio compatível àquilo que conhece. É necessário um mecanismo contínuo de sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos para perceber necessidades de intervenção.
Piaget organizou também os chamados estágios de desenvolvimento, que determinam o nível maturacional da criança, quais suas apropriações de acordo com seu tempo. Suas principais características:
1º período: Sensório-motor (0 a 2 anos)
2º período: Pré-operatório (2 a 7 anos)
3º período: Operações concretas (7 a 11 ou 12 anos)
4º período: Operações formais (11 ou 12 anos em diante)
Lev Semenovitch VYGOTSKY
Vygostsky tem como palavra-chave interação social, o que implica dizer que o desenvolvimento do indivíduo se dá através da relação com o outro, com o mundo.
O conceito de mediação simbólica trata do conceito de intermediação, da relação homem-mundo, que acontece através de duas formas:
- A linguagem, contemplada como instrumento do pensamento, tem duas funções:
- Comunicação: expressão, intercâmbio social.
- Categorização: de classificação, conceituação do mundo: representa inteligência prática.
- Zona de desenvolvimento proximal
- Conceitos atrelados: conhecimento real e conhecimento potencial
- Conhecimento real é aquele em que há o domínio, aquilo que se conhece, sabe, articula. É passado. Exemplo: sei fazer arroz.
- Conhecimento potencial é aquele que se pode dominar com a ajuda de outro mais experiente, por exemplo: apesar de saber fazer arroz, só consigo fazer risoto com a ajuda de minha avó, pois ela organiza toda a seqüência da receita para que eu não me perca.
- A distância entre o conhecimento real e o conhecimento potencial é chamada de zona de desenvolvimento proximal. É o “lugar imaginário” onde o professor deve atuar no aluno. Se tivermos 42 alunos numa sala de aula, teremos 42 diferentes.
Henri WALLON
Defendeu a idéia da compreensão da criança completa, concreta, contextualizada, vista de forma integral, isto é, não mais encarada como um adulto em miniatura, mas sim, como um ser numa etapa de especificidades. Segundo ele são quatro os campos funcionais que visualizam a criança de modo “integrado”:
1. As emoções: manifestação afetiva, relação = interação criança e meio onde está inserida.
2. O movimento: primeiro sinal de vida psíquica. Vislumbrada em duas dimensões:
a) expressiva: base das emoções, de expressão.
b) instrumental: ação direta sobre o meio físico, concreto. Voluntário.
3. A inteligência: 1º momento = sincretismo = misturar as coisas, confusão = não separa qualidade do objeto. Exemplo: criança de dois anos que tem um colega cujo nome da mãe é o mesmo da sua, não aceita a idéia (o nome Maria é da sua mãe, não da mãe do outro).
Com as experimentações da criança sobre o mundo, progressivas diferenciações ocorrem, o que proporciona o ampliar de seu repertório de categorizações. Isto não quer dizer que nunca mais, após a infância, estejamos sujeitos ao “sincretismo”. As grandes invenções, as diferentes idéias surgem de momentos de sincretismo, de mistura, de confusão, de possibilidades, de criatividade. 2º momento = pensamento categorial = conceitual (acontece na idade escolar) possibilidade de pensar o real por meio de categorias, diferenciações, classificações.
4. A contrução do “eu” como pessoa: Como constrói a consciência de si. Inicialmente o indivíduo está na fusão emocional – No útero materno, necessidades alimentares ou posturais têm satisfação automática. Pós nascimento mamãe e bebê ainda são encarados como um todo, o que representa para WALLON alto grau de sociabilidade – ela e outro = um só, para depois o indivíduo perceber-se enquanto único, o que nomeia processo de individuação.
É caracterizado de duas formas:
- imitação do outro = maneira de “incorporar o outro”, o outro como modelo, referência.
- negação do outro = para perceber o limite “eu-outro” manifesto meu ponto de vista através de condutas de oposição, o que representa a expulsão do outro em si mesmo.
Reformar o pensamento. Essa é a proposta de Edgar Morin, estudioso francês que passou a vida discutindo grandes temas. Pai da teoria da complexidade, minuciosamente explicada nos quatro livros da série O Método, ele defende a interligação de todos os conhecimentos, combate o reducionismo instalado em nossa sociedade e valoriza o complexo.
A palavra complexidade pode, de início, causar estranhamento. O ser humano tende a afastar tudo o que é (ou parece) complicado. Morin prega que se faça, com urgência, uma modificação nessa forma de pensar. "Só assim vamos compreender que a simplificação não exprime a unidade e a diversidade presentes no todo", define o estudioso. Exemplo: o funcionário de uma fábrica de automóveis é capaz de fazer uma peça essencial para o funcionamento de um veículo, mas não chega sozinho ao produto final. É importante ressaltar que Morin não condena a especialização, mas sim a perda da visão geral.
Na educação, o francês mantém a essência de sua teoria. Ele vê a sala de aula como um fenômeno complexo, que abriga uma diversidade de ânimos, culturas, classes sociais e econômicas, sentimentos... Um espaço heterogêneo e, por isso, o lugar ideal para iniciar essa reforma da mentalidade que ele prega. Izabel Cristina Petraglia, pós-doutorada em Transdisciplinaridade e Complexidade na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, diz que as idéias de Morin para a sala de aula têm tudo a ver com o atual imperativo de a escola fazer sentido para o estudante. "Aprende-se mais História e Geografia numa viagem porque é mais fácil compreender quando o conteúdo faz parte de um contexto."
No livro Edgar Morin, Izabel afirma que no mundo todo o currículo escolar é mínimo e fragmentado. Para ela, essa estrutura não oferece a visão geral e as disciplinas não se complementam nem se integram, dificultando a perspectiva global que favorece a aprendizagem. "O conjunto beneficia o ensino porque o aluno busca relações para entender. Só quando sai da disciplina e consegue contextualizar é que ele vê ligação com a vida." A escola, a exemplo da sociedade, se fragmentou em busca da especialização.
Primeiro, dividiu os saberes em áreas e, dentro delas, priorizou alguns conteúdos. Para que as idéias de Morin sejam implementadas, é necessário reformular essa estrutura, uma tarefa complicada. "É difícil romper uma linha de raciocínio cultivada por várias gerações", explica Ulisses Araujo, doutor em Psicologia Escolar e professor da Faculdade de Educação da Unicamp. Mas é perfeitamente possível. Um bom exemplo é pedir que os alunos usem um só caderno para todas as disciplinas. Isso acaba com a hierarquia que muitas vezes existe entre as matérias e mostra que nenhuma é mais importante que as outras. "Na verdade, todas estão interligadas e são dependentes entre si",completa Araujo”.
Perrenoud
O sociólogo suíço Philippe Perrenoud é um dos novos autores mais lidos no Brasil. Com nove títulos publicados em português, vendeu nos últimos três anos mais de 80 mil exemplares. O principal motivo do sucesso é o fato de ele discorrer, de forma clara e explicativa, sobre temas complexos e atuais, como formação, avaliação, pedagogia diferenciada e, principalmente, o desenvolvimento de competências.
Esse é um dos pontos mais reconhecidos de seu trabalho. "Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar uma série de situações", explica ele. "Localizar-se numa cidade desconhecida, por exemplo, mobiliza as capacidades de ler um mapa, pedir informações; mais os saberes de referências geográficas e de escala." A descrição de cada competência, diz, deve partir da análise de situações específicas.
A abordagem por competência também é utilizada quando Perrenoud fixa objetivos na formação profissional. No livro 10 Novas Competências para Ensinar, ele relaciona o que é imprescindível saber para ensinar bem numa sociedade em que o conhecimento está cada vez mais acessível:
1) Organizar e dirigir situações de aprendizagem;
2) Administrar a progressão das aprendizagens;
3) Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação;
4) Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho;
5) Trabalhar em equipe;
6) Participar da administração escolar;
7) Informar e envolver os pais;
8) Utilizar novas tecnologias;
9) Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;
10) Administrar a própria formação;
"Ele trouxe definitivamente à berlinda a discussão do profissionalismo", ressalta Suzana Moreira, coordenadora pedagógica da Escola Projeto Vida, responsável por cursos de capacitação nas redes pública e particular. Nesse trabalho, ela incentiva a postura reflexiva destacada por Perrenoud. Numa primeira etapa, Suzana assiste a algumas aulas. Em seguida, conversa com o professor e faz com que ele questione a própria atuação. "Só depois de uma reflexão sobre erros e acertos, eu passo os referenciais teóricos. Todos têm o direito de errar para evoluir."
Perrenoud auxilia nessa tarefa ao levantar as grandes dificuldades encontradas por quem assume uma sala de aula. Quando escreveu sobre a comunicação entre aluno e professor, por exemplo, ele fez um levantamento para saber o que o segundo anotava nos cadernos e boletins dos primeiros. Pediu também, nas entrevistas com os colegas, uma lista de observações sobre o que se perde quando a comunicação em classe não funciona. Ao combinar essas informações, chegou a 11 dilemas sobre o assunto, como "Deixar falar ou fazer ficar quieto?" e "Como fazer justiça, sem interferir nas regras do jogo social?"
"Embora não aponte a solução, ele tem o mérito de identificar os problemas", afirma Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Coll
Logo nos primeiros debates sobre a reforma educacional brasileira, em meados dos anos 1990, ficou decidido que o modelo para as mudanças seria o implementado na Espanha sob a coordenação de César Coll Salvador, da Universidade de Barcelona. Das discussões no MEC, das quais Coll participou como assessor técnico, surgiram os Parâmetros Curriculares Nacionais. Desde então, as idéias desse pensador, que já haviam chamado a atenção de algumas escolas de São Paulo, passaram a influenciar toda a nossa rede de ensino.
A principal delas é a necessidade de um plano curricular que satisfaça, de forma articulada, todos os níveis do funcionamento de uma escola — e foi divulgada pela primeira vez no livro Psicologia e Currículo. Segundo Coll, não se pode separar o que cabe ao professor — as aulas — do que é responsabilidade dos alunos — o conhecimento prévio e a atividade.
A família e outras instituições que fazem parte desse universo também precisam se fazer presentes. "Para que a criança atinja os objetivos finais de cada unidade didática, temos antes de identificar os fatos, conceitos e princípios que serão propostos; os procedimentos a considerar e os valores, normas e atitudes indispensáveis", afirma. Não é tarefa fácil. Por isso, ele destaca que, em muitos casos, os profissionais dependem de uma formação melhor antes de assumi-la.
"Seu maior mérito é o de reunir de forma harmônica idéias consagradas de grandes teóricos", diz Zélia Cavalcanti, que trabalha na Escola da Vila, em São Paulo, e organizou o primeiro seminário do espanhol em nosso país. Inspirado em Jean Piaget, Coll orienta todo seu pensamento numa concepção construtivista de ensino-aprendizagem. A prioridade é o que aluno aprende, não o que o professor ensina. "Ou seja, o foco principal sai dos conteúdos para a maneira de passar a informação de forma a garantir que ocorra a aprendizagem", explica Zélia.Em entrevistas e palestras, Coll sempre enfatiza a importância de contextualizar esse novo currículo. "Se o conteúdo trabalhado tiver relação com a vida do aluno, o êxito será maior", ensina Sylvia Gouvêa, do Conselho Nacional de Educação. O filme Nenhum a Menos, do diretor chinês Zhang Yimou, apresenta algumas cenas bem emblemáticas. Bagunceiros e sem atenção enquanto a professora só copia a matéria no quadro-negro, os estudantes mudam de comportamento quando desafiados a resolver um problema real. Na história, ambientada na área rural da China, todos calculam quantas pilhas de tijolos são necessárias para obter o dinheiro necessário para comprar uma passagem de ônibus até a cidade.
O novo currículo proposto por Coll contempla ainda os temas transversais, que devem estar presentes em todas as disciplinas e séries da Educação Básica. O ideal, acredita ele, é que aulas e explicações sobre saúde, sexualidade ou meio ambiente estejam totalmente integradas ao dia-a-dia. Pode parecer complexo, mas é simples. Basta colocar as conversas sobre alimentação saudável, reciclagem, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a importância do saneamento básico, entre tantos assuntos, na pauta de todos os professores.
Reorganizar o currículo por projetos, em vez das tradicionais disciplinas. Essa é a principal proposta do educador espanhol Fernando Hernández. Ele se baseia nas idéias de John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo norte-americano que defendia a relação da vida com a sociedade, dos meios com os fins e da teoria com a prática. Hernández põe em xeque a forma atual de ensinar. "Comecei a me questionar em 1982, quando uma colega me apresentou a um grupo de docentes", lembra. "Eles não sabiam se os alunos estavam de fato aprendendo. Trabalhei durante cinco anos com os colegas e, para responder essa inquietação, descobrimos que o melhor jeito é organizar o currículo por projetos de trabalho."
O modelo propõe que o docente abandone o papel de "transmissor de conteúdos" para se transformar num pesquisador. O aluno, por sua vez, passa de receptor passivo a sujeito do processo. É importante entender que não há um método a seguir, mas uma série de condições a respeitar. O primeiro passo é determinar um assunto — a escolha pode ser feita partindo de uma sugestão do mestre ou da garotada. "Todas as coisas podem ser ensinadas por meio de projetos, basta que se tenha uma dúvida inicial e que se comece a pesquisar e buscar evidências sobre o assunto", diz Hernández.
Cabe ao educador saber aonde quer chegar. "Estabelecer um objetivo e exigir que as metas sejam cumpridas, esse é o nosso papel", afirma Josca Ailine Baroukh, assistente de coordenação da assessoria pedagógica da Escola Vera Cruz, em São Paulo. Por isso, Hernández alerta que não basta o tema ser "do gosto" dos alunos. Se não despertar a curiosidade por novos conhecimentos, nada feito. "Se fosse esse o caso, ligaríamos a televisão num canal de desenhos animados", explica. Por isso, uma etapa importante é a de levantamento de dúvidas e definição de objetivos de aprendizagem.
O projeto avança à medida que as perguntas são respondidas e o ideal é fazer anotações para comparar erros e acertos — isso vale para alunos e professores porque facilita a tomada de decisões. Todo o trabalho deve estar alicerçado nos conteúdos pré-definidos pela escola e pode (ou não) ser interdisciplinar. Antes, defina os problemas a resolver. Depois, escolha a(s) disciplina(s). Nunca o inverso. A conclusão pode ser uma exposição, um relatório ou qualquer outra forma de expressão. Para Cristina Cabral, supervisora escolar da rede pública, a proposta é excelente, mas é preciso tomar cuidado porque nada acontece por acaso. "O tratamento didático é essencial ao longo do processo", destaca. É importante ainda frisar que há muitas maneiras de garantir a aprendizagem.
Os projetos são apenas uma delas. "É bom e é necessário que os estudantes tenham aulas expositivas, participem de seminários, trabalhem em grupos e individualmente, ou seja, estudem em diferentes situações", explica Hernández. Vera Grellet, psicóloga e coordenadora de projetos da Redeensinar, concorda. "O currículo tradicional afasta as crianças do mundo real. A proposta dele promove essa aproximação, com excelentes resultados."
Nóvoa
Nenhuma reforma educacional tem valor se a formação de docentes não for encarada como prioridade. O português António Nóvoa traz para o foco a discussão sobre a qualificação profissional, ao reunir artigos de autores que refletem sobre o assunto. Com isso, cria uma base teórica e uma nova concepção, na avaliação de Sérgio Antonio da Silva Leite, da Faculdade de Educação da Unicamp. "Nóvoa quebra a idéia de que para ensinar bem é preciso ter vocação sacerdotal", diz.
Ele chegou a essas conclusões mergulhando em pesquisas, que foram transformadas em livros. Num deles, Vidas de Professores, há uma série de estudos sobre a história do ofício e muitos questionamentos sobre o desenvolvimento da carreira. Por que determinado profissional é engajado e outros não? Por que e como se transformou em uma pessoa assim? O que aconteceu na vida dele? Com base nessas reflexões, o catedrático da Universidade de Lisboa ajuda a entender, do ponto de vista científico e sem aquele velho olhar romântico, o que acontece com quem decide ensinar.
"O aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente", diz Nóvoa. Um raciocínio que se opõe à idéia tradicional de que a formação continuada se dá apenas por decisão individual — e em ações solitárias. Para ele, esse trabalho é coletivo e depende da experiência e da reflexão como instrumentos contínuos de análise. Por isso, diz, temos de exercitar o que vivemos. O ideal, assim, seria dispor de um programa de formação contínua remunerado, para que os professores pudessem se dedicar à formação sem depender dos salários. "Deve haver um reconhecimento de que a formação é tão importante quanto seu exercício", endossa Leite.
Carlos Garcia, um dos pensadores em que Nóvoa se inspira em suas pesquisas,acredita que o desenvolvimento profissional corresponde ao curso superior somado ao conhecimento acumulado ao longo da vida. Essa teoria derruba a crença de que um bom docente se faz em universidades conceituadas. "Uma boa graduação é necessária, mas não basta", garante Leite. "É essencial atualizar-se sempre."
A tese de Nóvoa deixa mais claro por que não se deve separar a teoria da prática. O Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação, órgão responsável pela política de formação da Secretaria Municipal de Belo Horizonte, estruturou seu programa de aperfeiçoamento de docentes nas teorias do estudioso português. Ele garante aos profissionais da rede o acesso a ações formativas e faz desse direito um instrumento de valorização. "Cada um de nós constrói o conhecimento à medida que trabalha e, por isso, qualquer plano de estudo deve ser feito no interior da escola, onde se desenvolve a prática", conclui Aurea Regina Damasceno, mestre em Educação pela UFMG.
Toro
Uma larga experiência como ativista social conferiu a Bernardo Toro uma atuação com marcante viés educacional. "A escola tem a obrigação de formar jovens capazes de criar, em cooperação com os demais, uma ordem social na qual todos possam viver com dignidade", afirma o intelectual colombiano.
"Para que seja eficiente e ganhe sentido, a educação deve servir a um projeto da sociedade como um todo." Por isso, ele defende que a prioridade seja o convívio na democracia, cuja base é a tolerância. Partindo de sua visão sobre as realidades social, cultural e econômica, Toro elaborou uma lista onde identifica as sete competências que considera necessárias desenvolver nas crianças e jovens para que eles tenham uma participação mais produtiva no século 21. São os Códigos da Modernidade:
1) Domínio da leitura e da escrita;
2) Capacidade de fazer cálculos e resolver problemas;
3) Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações;
4) Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social;
5) Receber criticamente os meios de comunicação;
6) Capacidade de localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada;
7) Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo.
"Quando diz que saber interagir criticamente com os meios de comunicação é uma das competências fundamentais, Toro sinaliza para a importância de que as novas gerações tenham uma postura crítica frente à programação da TV", exemplifica Lúcia Dellagnelo, da Fundação Maurício Sirotsky, doutora em Educação pela Universidade de Harvard. Recentemente, o intelectual acrescentou uma oitava capacidade à sua relação: a de desenvolver uma mentalidade internacional. "Quando o jovem chegar à idade adulta, seu campo de atuação será o mundo", justifica.
"Sua principal contribuição é construir uma ponte entre o mundo real, isto é, o das sociedades modernas em constante transformação, e o mundo da escola, que tem diante de si a tarefa de formar os cidadãos", avalia a professora Lúcia.
Toro valoriza também o que chama de saber social, um conjunto de conhecimentos, práticas, valores, habilidades e tradições que possibilitam a construção das sociedades e garantem as quatro tarefas básicas da vida: cuidar da sobrevivência, organizar as condições para conviver, ser capaz de produzir o que necessitamos e criar um sentido de vida. A escola, assim, é apenas um dos ambientes em que ocorre a aprendizagem. A família, os amigos, a igreja, os meios de comunicação as empresas são outras importantes fontes de conhecimento para os indivíduos. Mobilizar, conforme sua definição, é convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados.
(Extraído da Revista Nova Escola. Edição nº 154. Agosto de 2002. p. 18 - 25.)
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